Em entrevista especial para o Portal Vermelho, o presidente da Central de Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Adilson Araújo, analisou a conjuntura nacional no contexto em que as reformas da Previdência e Trabalhista chegam à fases decisivas no Congresso Nacional.
“A população começa a pensar: vou perder salário, direitos e nem vou me aposentar”. De outro lado, ele considera as centrais sindicais também estratégicas no debate de uma alternativa para o Brasil.
“Fica evidente que depois desse ciclo de empoderamento é que a gente precisa ter um programa para o Brasil que permita uma transição mais avançada”.
O sindicalista se refere aos anos em que o Brasil estava em ascendência e cita o patamar de crescimento chinês registrado em 2010: 7,5%. Naqueles anos o trabalhador tinha reajustes acima da inflação e aumento real. O desemprego era de 4.3%, longe da marca que país ostenta hoje com cerca de 14 milhões de desempregados.
Reafirma que o golpe em 2016 que depôs a presidenta eleita Dilma Rousseff foi do capital contra o trabalho e que o Brasil vive uma tempestade que pode se transformar em um tsunami.
“Imagine da noite para o dia um efeito tsunami. Decorrente de um golpe do capital contra o trabalho, de um governo ilegítimo que se instala e tenta acabar com tudo. Liquidar o país como se fosse um feirão de remarcações”.
Confira a entrevista com o presidente da CTB
Vermelho: O golpe de 2016 foi do capital contra o trabalho?
Em 2016 a polarização se intensificou entre os que defendiam o resultado das urnas e a democracia e aqueles que defenderam o impeachment como se fosse a saída para o Brasil. Agora com o avanço das reformas, a classe trabalhadora começa a acordar?
Essa polarização deixou a classe trabalhadora atônita, ou seja, o trabalhador ainda é vítima da forte influência que é produzida pela imprensa burguesa, essa informação que entra nos lares das pessoas com muitos editoriais distorcendo tem um efeito sobre o trabalhador. Alguns demoram a acreditar mas outros acreditam à medida que a imprensa utiliza da máxima de repetir a mentira várias vezes, um expediente do fascismo. Muita coisa soou como verdade e então o trabalhador demandou um certo tempo mas agora começa a perceber porque vê que a agenda neoliberal chegou com todo esse intento de acabar com a CLT e a aposentadoria, por exemplo.
Você me disse que os anos 1940 foram marcantes para a proteção do trabalhador com a instituição do salário mínimo em 1940, a criação da justiça do trabalho em 1941 e a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) em 1943. A reforma trabalhista extingue esses direitos?
Essa cesta básica de direitos foi endossada na constituição cidadã de 1988 que atribuiu entre o seu arcabouço a garantia dos direitos sociais. Então o que se conquistou ali? Se sacramentou aquilo que seria o patamar razoável para uma negociação. A base da negociação se deu com a legislação. Quando se fala hoje negociado sobre o legislado, a negociação existe porque tem uma base. A base para a negociação é a CLT. É com a CLT que negociamos os nossos acordos e convenções coletivas. Diferente do negociado que a reforma quer implementar, o negociado sobre o legislado já existe mas não é para retroagir direitos, é para avançar ou, no mínimo, garantir o que está na lei. Hoje o trabalhador começa a enxergar que eles não querem acabar com a CLT para negociar direto comigo, eles querem acabar com a CLT para introduzir a livre negociação, a corda sempre vai partir do lado mais fraco. Porque é neste ambiente hostil de crise e instabilidade que vão com a reforma trabalhista querer tirar as férias, o 13º, a licença-maternidade, fracionar jornada, trabalhar como se trabalha no Japão, que tem livre negociação. Lá tem empresa que admite que o trabalhador tenha uma jornada de 15 horas por dia. O trabalhador já tem uma jornada de 6 horas, trabalha mais 15, trabalha 21h por dia, a pessoa vive ou vegeta? Isso tem provocado no Japão um fenômeno chamado Karoshi, que provoca a morte súbita dos trabalhadores.
As principais centrais sindicais brasileiras estiveram presentes nos grandes atos contra as reformas de Michel Temer e apesar da campanha midiática contra, a população tem recepcionado bem os atos. A anestesia da população em geral também passou?
A reforma da Previdência da maneira como se apresentar vai gerar um estado de calamidade no Brasil?
A previdência social é o maior programa de distribuição de renda do país. Compreende um tripé fundamental nesse que é o maior programa de distribuição de renda do país. A previdência social é esse empreendimento que alimenta no Brasil mais de 4 mil municípios. Imagine da noite para o dia um efeito tsunami. Decorrente de um golpe do capital contra o trabalho, de um governo ilegítimo que se instala e tenta acabar com tudo. Liquidar com tudo como se fosse um feirão das Casas Bahia. O povo começa a se dar conta que desse jeito não dá. O dia 28 de abril mostrou isso: o Brasil amanheceu parado muito decorrente de que o povo vai dando conta de que do jeito que está não dá pra ficar.
O governo golpista de Michel Temer repete sem parar que a reforma trabalhista servirá para modernizar a CLT e trazer segurança jurídica às empresas. Como você avalia esse discurso?
O trabalhador não vai na justiça reclamar que tá doente. Ele vai na Justiça porque o patrão diz: ”vai reclamar na Justiça suas verbas rescisórias”. Sabe por quê? Porque é mais barato pra o patrão. Na Justiça, o patrão, que deve 100 mil propõe pagar 20% e a ai o trabalhador aceita porque precisa alimentar o filho, precisa levar um quilo de carne, feijão arroz, a lata de leite pra o filho. Então ele acaba submetido. E ai eles usam esse discurso. Quem precisa de segurança jurídica é o trabalhador. Modernização é precarizar as relações de trabalho? É permitir ambiente análogo à escravidão? É levar os trabalhadores à estafa? E subtrair direito? É aumentar jornada? É um estágio em que se alimenta o desejo de acabar com o direito constituído do trabalhador para transformar esse homem e essa mulher em uma mercadoria.
Quais as consequências da terceirização ilimitada que foi aprovada no Congresso e que agora virou lei sancionada pelo presidente ilegítimo Temer?
A terceirização vai ser um prato fértil para a subcontratação. Imagine vocês que nos últimos dez anos nos casos de trabalho análogo a escravidão identificados 95% devem-se à subcontratações, ou seja, trabalho desprovido de direitos, regras e garantias, jornadas exaustivas, ambiente insalubre, péssimas condições de trabalho e adoecimento, o que se configura na chamada escravidão moderna. É um retrocesso tamanho, que não podemos conceber essa lógica. É isso que pretende a reforma trabalhista, o PL 4302 (sancionado por Temer) nivela por baixo. A tendência é que em curto espaço de tempo o trabalho da atividade-fim seja substituído por um trabalho precário e as consequências disso quais são? Empobrecimento do Estado porque perde em contribuição porque menos salário menos contribuição, com ambiente insalubre, trabalho precário, jornada exaustiva, adoecimento. Quem paga a conta? Vai para a Previdência. Aumenta-se o déficit da previdência. No fundo, no fundo as medidas do governo golpista pretendem também privatizar a previdência.
O consultor do Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar), Marcos Verlaine, afirmou ao Portal Vermelho que o movimento sindical conseguiu traduzir a reforma da Previdência para a população com o mote “é o fim da aposentadoria”. Como você analisa esse tema na vida do trabalhador?
A previdência vem demandando maior calor e disposição da sociedade porque o sonho, o desejo de todos os que começaram cedo a labutar é a perspectiva de que um dia pudesse se aposentar de forma digna. Ninguém trabalha com a hipótese de se aposentar quando estiver doente. Até que se prove o contrário, incontestavelmente, a previdência é também a única forma que o trabalhador tem para fazer a sua poupança porque, via de regra, o trabalhador não tem a poupança, mas ele deposita na poupança previdência social. Primeiro pelo princípio da solidariedade, segundo porque ele pretende ter o direito de gozar esse benefício. Mas quando o governo aumenta idade mínima e o tempo de contribuição, se a gente levar em consideração a expectativa de vida, sobretudo no norte nordeste e nas periferias das grandes cidades, muita gente vai morrer sem se ter acesso à aposentadoria. E é lamentável que o governo faça a opção porque se o governo admite que em mais de 4 mil municípios o que se recebe da Previdência é algo maior que o fundo de participação dos municípios, a Previdência alimenta milhões de brasileiros. Então a reforma é um descalabro. É diante desse olhar que o povo começa a dizer: eu vou perder meu salário, meus direitos e não vou poder nem me aposentar? É fazer poupança para banqueiros porque quem mais vai se beneficiar da reforma são os ricos e o poder econômico.
O Valor Econômico fez um levantamento divulgado em março afirmando que em três anos da operação Lava Jato 740 mil postos de trabalho acabaram. Só no setor de óleo e gás foram 440 mil vagas. A Lava Jato e a política de Temer ajudaram a configurar esse quadro de desemprego no país?
A operação Lava Jato condenou o CNPJ, paralisou a indústria da construção civil, que durante 10 anos tinha participação de 14% em média no PIB nacional. Do dia pra noite as obras pararam. No período anterior, com know-how, capacidade tecnológica as empresas de produção nacional foram expandindo mercado lá fora e ajudaram o Brasil a crescer. Da noite para o dia se paralisa tudo e esse desemprego é muito decorrente disso. A indústria naval teve um boom nos anos 80, Fernando Henrique afundou, Lula recuperou daí vem a estagnação econômica. Se antes do golpe já tava difícil com a consolidação do golpe, o Temer jogou uma ancora no mar. Paralisou geral. Hoje temos estaleiros que sofreram investimentos do BNDES, concessão de terrenos, financiamentos e que tiveram 70%, 80% das obras em funcionamento e que agora estão paralisados como o de São Roque de Paraguaçu (BA), EISA (RJ), muito por falta de uma política. Ai o governo Temer reduz a política de conteúdo local, a Petrobras passa a ser minoritária na exploração do Pré-sal. Isso tudo é uma fatia fértil para as empresas de capital estrangeiro Chevron, Texaco e Shell, que vão ingressar no mercado nacional e vão trazer equipamento de fora, mão de obra de fora.
A proposta de reforma trabalhista acaba com a contribuição sindical deliberadamente para enfraquecer o movimento social. Sem os sindicatos representando os trabalhadores está concedida a licença para violação de direitos?
Você afirmou que o Brasil precisa se dar conta do papel estratégico nos movimentos de resistência aos ataques contra direitos e citou a responsabilidade das centrais, artistas, intelectuais, sociedade organizada, partidos do campo democrático. De que forma as centrais sindicais contribuem nesse debate?
O tempo é de pressão e muita mobilização social sem negar o papel que deva ser permanente, que é a busca do diálogo e do entendimento. Há um bom tempo as centrais vem fazendo investidas dessa natureza. Foram diálogos com presidentes da câmara e do senado, presidente da comissão do trabalho, deputados, senadores. Todo esse movimento precisa ser feito e é necessário, porém é necessário que aquela chama que se viu ascender no dia 28 de abril na greve geral é primordial para os próximos passos. Diz o dito popular que depois da tempestade vem a bonança. Essa tempestade que o Brasil tá vivendo pode sinalizar para um tsunami e para que ele não chegue temos que resistir. É preciso nesta etapa todo o esforço do movimento sindical para barrar essa agenda, esse retrocesso. Em segundo lugar precisamos ser parte importante de uma nova alternativa para o país, a defesa das eleições diretas, a construção de uma frente ampla motivada por um debate nacional. Nós não podemos abrir mão de discutir com esse povo uma agenda nacional, uma agenda pra o brasil. Essa agenda precisa ganhar centralidade. Qual o Brasil que nós queremos? Acho que fica evidente que depois desse ciclo de empoderamento é que a gente precisa ter um programa para o Brasil que permita uma transição mais avançada. É preciso desenvolver forças produtivas, precisamos destinar atenção especial para as potencialidades advindas do Pré-sal. A gente sabe que muito desse ranço golpista tem a ver com as expectativas do Pré-Sal porque ali estava desenhada a possibilidade da pátria educadora, a possibilidade de grandes investimentos em obras de infraestrutura e um alicerce importante para a educação. Precisamos construir um Brasil soberano, que retome a sua capacidade de produção industrial e que possibilite a geração de empregos.
fonte: vermelho.org
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